15 de abril de 2021
Por Marina Vidal (*)
Por iniciativa do Instituto Cultural Vale, estreou na última quarta-feira, 14 de abril, o Sempre Um Papo Itabira, projeto de incentivo à leittura, com 35 anos de realização ininterrupta. Planejado para se realizar mensalmente, o primeiro encontro contou com a participação de um ícone do jornalismo e da literatura brasileiros, Zuenir Ventura, que falou de seu livro “Minhas Histórias dos Outros”, que está em edição revista e ampliada, pela Companhia das Letras. O encontro foi mediado por Afonso Borges, idealizador do Sempre Um Papo, e contou com intérprete de Libras. A edição do projeto está acontecendo de forma virtual, devido à pandemia do Covid-19, com acesso gratuito e transmissão no Youtube, Instagram e Facebook do Sempre Um Papo.
Zuenir Ventura é um jornalista mineiro, que vive no Rio de Janeiro, e que já recebeu inúmeros prêmios por suas reportagens, é colunista, desde os anos de 1990, do jornal O Globo, é autor de livros clássicos como “1968: O Ano Que Não Terminou” e foi eleito, em 2014, para a Academia Brasileira de Letras. Seu primeiro contato com Itabira foi através de Carlos Drummond de Andrade, o renomado poeta itabirano, que concedeu entrevista exclusiva para Ventura, em 1980. “Nessa entrevista com o Drummond, definitivamente, eu fiquei fã de Itabira, sem conhecer Itabira”, disse o autor. Desde a famosa entrevista com Drummond, Zuenir passou a ter um contato maior com a cidade. “Itabira realmente, a partir do Drummond, foi uma referência na minha vida. Eu me identifiquei realmente com a cidade”, confessou Zuenir durante a descontraída conversa com Afonso Borges.
Por seu grandioso trabalho e o furo jornalístico com Drummond, que ajudou a complementar mais capítulos na história de Itabira, Zuenir foi convidado para inaugurar o Sempre Um Papo no município. O primeiro encontro abordou sobre o livro “Minhas Histórias dos Outros”, que está em pré-venda nas livrarias e o responsável pela organização da obra foi o filho do autor, Mauro Ventura, que participou do encontro, e contou sobre as novidades dessa edição. “É um livro absolutamente espetacular porque retrata 50 anos de trajetória do meu pai, jornalista que acompanhou os movimentos políticos, sociais e culturais desse período. Essa edição revista e ampliada traz alguns textos em alguns momentos muito caros a ele, como a entrevista do Drummond que foi a primeira grande entrevista feita com o poeta. Tem também um texto que, para mim, talvez seja o texto mais bonito do meu pai, que é o da Maria do Socorro, uma personagem fascinante que ele conheceu quando estava cobrindo a primeira caravana do Lula”. Segundo Mauro, há capítulos adicionais como o que aborda sobre Tom Jobim, Antônio Cândido e Antônio Callado, outro retrata a reação de Zuenir ao descobrir que bandidos perigosos estavam sendo enviados para a mesma prisão onde ele esteve preso na Ditadura Militar, junto com Ziraldo e outras pessoas, além do novo final do livro, que é feliz.
Ao idealizar a obra, Zuenir conta que não queria fazer uma autobiografia e, por sugestão de um amigo, decidiu elaborar uma ‘alterbiografia’. “É uma forma de falar de mim, mas a partir da experiência dos outros. Claro que eu conto a minha história, mas a partir das histórias alheias”. Ela é repleta de personagens e seus relatos, alguns famosos, outros anônimos. “O livro fez muito sucesso, mas a Lúcia Riff, minha agente literária, agora, insistiu muito para a reedição dizendo que esse livro não teve a divulgação necessária na época. Então, não é cabotino dizer que gosto dele porque é um livro dos outros, eu apenas conto”, afirmou o autor que completará 90 anos em junho.
Contrariando a versão apresentada por Ventura, por acreditar a resposta padrão destinada a jornalistas, Afonso Borges revelou que o autor, nos bastidores, havia pontuado outra versão. “Você me contou que lembrava das histórias todas, mas quando comentou com o Hélio Pellegrino uma mesma história, ele falou que a história não era aquela”. E brincou que Zuenir optou pelo título “Minhas histórias dos outros” porque ele escrevia a história e telefonava para os amigos para confirmar se foi daquela maneira que aconteceu. “Temos na memória aquilo que é registrado diante dos acontecimentos, mas os outros nos ajudam muito a compor o cenário”, completou Afonso.
Zuenir concordou com o curador do Sempre Um Papo, uma vez que acredita que a memória é muito pessoal e que vários observantes de um mesmo fato contam versões diferentes. “Pedro Nava, que foi um memorialista, que inclusive é personagem do livro, dizia que até a memória você varia. Tenho o depoimento de uma especialista que trabalha muito a questão da memória, ela disse que cada um tem a sua história e esta varia de pessoa para pessoa. E nós mesmos, a medida do que o tempo passa, contamos diferente. Aprendi muito sobre memória e gostei muito de ter feito o livro porque são personagens muito interessantes, que sempre tive a sorte de ter ou a sabedoria de escolher”.
A conversa também destacou a entrevista que Carlos Drummond de Andrade concedeu ao jornalista. “O mérito foi todo do Drummond e ele não mexeu uma vírgula na entrevista”. Na época, Zuenir dirigia a redação da sucursal da Veja no Rio de Janeiro, quando recebeu um telefonema informando que o poeta queria lhe conferir uma entrevista e acreditou se tratar de um trote. “Eu fui desconfiado e Drummond realmente queria me dar entrevista, mas nunca perguntei para ele o motivo porque eu fiquei com medo de ele desistir. A entrevista saiu como exclusiva nas páginas amarelas, na época ele já era um dos maiores poetas brasileiro, junto com o Bandeira, mas o problema era que ele não vendia muitos livros. Ela foi muito densa porque primeiro eu achava que era um trote, segundo porque ele estava relendo a entrevista, acreditava que ele iria cortar muitas informações ou iria voltar atrás. E ele não fez nenhuma objeção”, constatou.
Durante a conversa Afonso Borges também informou que esse ano será realizada a primeira edição do Flitabira – Festival Literário de Itabira, prevista para acontecer no mês de outubro. Acompanhe o encontro na íntegra pelas redes sociais do projeto, no Instagram e Facebook e no canal do Sempre um Papo no Youtube, com acesso pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=RZaUy79XKSk
FRASES:
“Eu conto a minha história, mas a partir das histórias alheias”. – Zuenir Ventura, 14/04/2021
“A memória da gente é muito pessoal, como uma espécie de digital”. – Zuenir Ventura, 14/04/2021
“Eu inventei essa classificação, em vez de autobiografia, é alterbiografia”. – Zuenir Ventura, 14/04/2021
“Nessa entrevista com o Drummond, definitivamente eu fiquei fã de Itabira, sem conhecer Itabira”. – Zuenir Ventura, 14/04/2021
“Hoje costumo dizer que sou leitor e personagem do Trem Itabirano. Já fui notícia no trem por causa do Drummond, evidentemente”. – Zuenir Ventura, 14/04/2021
“Itabira realmente, a partir do Drummond, foi uma referência na minha vida. Eu me identifiquei realmente com a cidade”. – Zuenir Ventura, 14/04/2021
(*) – Estagiária sob supervisão de Jozane Faleiro