7 de maio de 2021
Por Marina Vidal (*)
O Sempre Um Papo segue com a programação de 2021, ano que comemora 35 anos de realização ininterrupta, realizando uma série de encontros com respeitados autores da atualidade. No dia 5 de maio, os convidados foram Dalva Maria, Lara de Paula e Júlio Ludemir para falar sobre o livro “Carolinas – A Nova Geração De Escritoras Negras Brasileiras” (Bazar do Tempo) com coedição da Flup (Festa Literária das Periferias). A conversa foi mediada por Afonso Borges e contou com intérprete de Libras, sendo transmitido pelo Youtube, Facebook e Instagram do Sempre Um Papo. Esta foi mais uma edição do projeto que está acontecendo de forma virtual, devido à pandemia do Covid-19.
A obra conta com a participação de 181 escritoras negras de todos os estados brasileiros inspiradas na vida e obras de Carolina Maria de Jesus. “Os verdadeiros quilombos que se formaram nessas relações que eram intergeracionais, interrelacionais, que tinham diversos recortes, nesse encontro, nesse diálogo, nessa escuta, por mulheres o tempo inteiro que se escutavam e tinham prazer de uma se ver na outra”, afirmou Júlio Ludemir.
No processo de produção da obra foi reunida uma geração de intelectuais universitárias, negras que reinventaram, para além do espaço acadêmico, todos os espaços. “Inclusive não existe um futuro literário, do debate das ideias intelectuais políticas no Brasil, sem a presença das pessoas negras e fundamentalmente de um poderosíssimo e articuladíssimo feminismo negro. Acho que o livro consegue encadernar essas narrativas e acho que a importância que ele tem é por elas e por entender que elas existiram”, constatou Ludemir.
Dalva percebe sua participação no livro como algo extremamente simbólico, pois sente que é filha de uma Carolina. “Carolina inaugura uma linhagem matricial, ela fala que vários autores inauguram linhagens na literatura, influenciam gerações. E ela inaugura uma linhagem de mulheres negras periféricas que também se assumem escritoras. É desse lugar que eu venho, desse caldeirão, uma mulher do interior, apaixonada pela literatura, que de repente se descobriu na escrita, a escrita surgiu para mim como uma possibilidade de respirar melhor”.
Lara de Paula sempre sentiu a escrita como um grande refúgio e teve o prazer de participar do projeto por descobrir várias autoras e mulheres com vivências semelhantes. “Entre todas nós mulheres negras há algo que nos conecta, um fio que nos liga de identificação que se estende para além da dor, para além das experiências de violência, mas essa percepção de mundo que em si é poética. Isso faz toda a diferença para pessoas negras terem as referências dentro da própria área, outras artistas”.
Para Júlio a literatura tanto de Carolina, quanto brasileira pós Clarice Lispector é muito subjetiva a partir da própria experiência. “Só que quando você vai fazer isso entre mulheres negras, os fantasmas que existem no armário, inclusive de mulheres que tinham o tempo inteiro uma Carolina perto delas. Existia uma grande novidade no que a gente estava fazendo em termos sociais é que a Dalva não é mais uma Carolina, a Lara não é mais uma Carolina, todas elas tinham muitas dores que só podiam ser abertas em espaços entre iguais, com muita intimidade”.
O texto de Dalva presente no livro foi em homenagem a sua mãe. “Eu falo que ela foi a primeira feminista que eu conheci, que embora não tenha sido alfabetizada, embora não teorizasse a respeito do feminismo, assim como Carolina, ela buscava pelas coisas belas. Essa fome existencial que Carolina tinha, minha mãe tinha e eu acho que eu também tenho. E foi esse exercício que eu tentei colocar no texto”.
Com relação ao texto de Lara no Carolinas é uma carta de Luzia, o fóssil de 2 mil anos, para Carolina Maria de Jesus, na qual a arqueóloga passou a sonhar com a possibilidade de encontro dessas duas figuras emblemáticas para pessoas negras. “Meu texto é uma oferenda, uma homenagem as duas. Também é uma forma de me entender nesse espaço, conversando com os mortos, me inspirando nas mais velhas. Mas reconhecendo que é importante que a gente observe o nosso lugar de mulheres negras vivas, escritoras, tradutoras de outras histórias para outras mulheres negras que a gente espera que estejam em espaços que recebam melhor, com mais justiça e veemência as trajetórias e as narrativas que a gente quer contar”.
Acompanhe o encontro na íntegra pelas redes sociais do projeto, no Instagram e Facebook e no canal do Sempre um Papo no Youtube, com acesso pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=GTu7zJhx3Ew
FRASES:
“A FLUP é sempre procedida de processos de formação. Uma característica é de acontecer em ambientes periféricos e uma segunda característica de ser procedida por um processo de formação”. – Júlio Ludemir
“É uma geração de intelectuais universitárias, negras e que por isso se tornaram artistas, se tornaram tudo o mais, reinventando, para além do espaço acadêmico, todos os espaços”. – Júlio Ludemir
“A Adélia Prado fala: com palavras para narrar a minha angústia eu já respiro melhor. E foi para respirar melhor que eu comecei a escrever”. – Dalva Maria
“Os meus livros são as minhas companhias de quarentena”. – Lara de Paula
“Carolina Maria de Jesus só foi fazer parte de minha vida quando entrei na faculdade e a conheci”. – Lara de Paula
“O lugar de fala precisa do lugar de escuta. E eu acho que nesse livro toda a minha sabedoria foi exatamente no sentido de encontrar o lugar de escuta e agir com base nessa escuta”.” – Júlio Ludemir
“Entrar em contato com a obra de Conceição também foi uma revolução” – Dalva Maria
“Minha mãe é uma pessoa que vem da zona rural, mas que tem fome de beleza. Uma mulher que não lia as letras, mas lia o mundo” – Dalva Maria
“Carolina tentou ser doméstica ela queimava a comida às vezes lendo porque ela tinha uma necessidade existencial não só da escrita como da leitura”. – Dalva Maria
“Inclusive em trabalho de parto ela levou as revistas que ela achava no lixo para o hospital para ler”. – Dalva Maria
“Carolina foi uma mulher que abriu portas, que começou caminhadas” – Lara de Paula
“A FLUP para mim foi uma grande encruzilhada, me permitiu encontrar pessoas que eu não encontraria”. – Lara de Paula
“Carolina deslumbrou o mundo pela sua mente, pela sua eloquência, pela sua habilidade de parir mundos com os pensamentos”. – Lara de Paula
(*) – Estagiária sob supervisão de Jozane Faleiro