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Somos todos José

12 de maio de 2021

Por Marina Vidal (*)

Por iniciativa do Instituto Cultural Vale, o Sempre Um Papo Itabira recebeu o Padre Fábio de Melo para falar sobre seu novo livro “A Hora da Essência” (Ed. Planeta), no dia 11 de maio de 2021. O segundo encontro do projeto foi mediado por Afonso Borges, idealizador do Sempre Um Papo, que estava ao vivo, em transmissão feita  do palco da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, na cidade de Itabira. A edição do projeto contou com intérprete de Libras e aconteceu de forma virtual, devido à pandemia do Covid-19, com acesso gratuito e transmissão no Youtube, Instagram e Facebook do Sempre Um Papo.

Padre Fábio contou que a inspiração para a elaboração da obra “A Hora da Essência” foi propor uma reflexão filosófica sobre o que levamos dentro de nós e ele propõe a narrativa a partir da conversa entre duas mulheres. “O romance começa exatamente com uma mulher repensando, repensar-se é muito difícil, muito doloroso, não é um exercício fácil. E para ela é um exercício ainda mais difícil porque ela trilharia um caminho curto, devido a um diagnóstico que havia recebido. Ela teria que fazer um itinerário extremamente doloroso de andar os caminhos de dentro, que são as distâncias mais difíceis, mais tortuosas, são essas que nós levamos dentro de nós”, adiantou Padre Fábio.

Ao longo dessa jornada para escrever o livro, o autor explicou que enfrentou um grande desafio e o livro nasceu dessa inquietação. “Eu nem pensava em passar por tudo isso que nós estamos passando, mas essas questões sempre estiveram muito presentes na minha vida porque como homem que trabalha o tempo todo com questões religiosas, o que eu sou, se misturou muito no que eu faço. Como padre, eu preciso constantemente abordar questões e temáticas dolorosas com as pessoas e acabo me envolvendo muito com as situações. O desafio do livro foi justamente transportar esta questão que é tão espinhosa para uma linguagem que fosse palatável para que, de alguma forma, a gente saboreasse isso”.

Devido a essa experiência, Padre Fábio de Melo considera que sua obra é fruto de muitas vivências. “O livro, antes de nós escrevermos, nós convivemos com ele. De alguma forma nós seguimos o conselho do Drummond: “conviva com o seu poema antes de escrevê-lo”. Então, eu convivo com os meus livros. E no momento que fica insuportável levá-los comigo, eu divido”. Para ele, também foi desafiante tratar essas questões a partir de duas mulheres, pois é um contexto extremamente limitado e com pouca variedade de personagens. “Tive que centrar em duas pessoas e, ao mesmo tempo, fazer um texto que pudesse ser agradável para a pessoa que pegasse o livro e quisesse lê-lo, se identificasse com aquilo”.

Segundo o autor, decidir se um livro pode pertencer ou fazer sentido para alguém e ser publicável é um exercício muito difícil. Por isso, antes de publicar um livro ele realiza várias considerações. “Costumo exercer muita autoridade para saber diferenciar se o que eu escrevi é para mim ou para os outros. Se acho que pode ser para os outros, de que forma quero colocar isso para os outros? Num determinado momento, a gente tem que ter a técnica de desenvolver uma determinada distância do livro como se eu tivesse vendo sentimentos que não são meus, formas que não são as minhas para que a minha literatura não seja uma mesmice”.

“A Hora da Essência” tem um pouco das maiores dores do mundo como as dores da separação, da união, da tristeza, do amor, da traição, da infidelidade. “A vida, assim como fez com Sofia, personagem do meu livro, de vez em quando, nos leva ao descampado e nos abandona lá”.

O poema “José” de Drummond quase foi citado no livro de Fábio de Melo. “Eu sempre ouvi e li o poema compreendendo como uma leitura dos dilemas humanos. Em algum momento da vida, a gente se torna também “José” porque a festa acaba, a luz apaga, a noite esfria, a gente fica sem nome. Eu sou José, até em meu nome, sou Fábio José”. Para o padre, o nome remete a condição universal de ser homem e, com isso, temos no “José” a oportunidade de nos colocar e identificar que, em determinados momentos, nós vivemos esse conflito tão atual. “Tenho uma sensação de que quando Drummond escreveu esse poema ele não tinha ideia do que provocaria em nós quando tivéssemos o poema em mãos”.

Acompanhe o encontro na íntegra pelas redes sociais do projeto, no Instagram e Facebook e no canal do Sempre um Papo no Youtube, com acesso pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=bRcxqVNj4X0 

FRASES:

“É um exercício muito difícil a literatura”. – Padre Fábio de Melo

“Meus temas são muito universais. Estou muito conectado com as ansiedades da humanidade. Sou uma pessoa muito atenta para aquilo que vive, que respira ao meu lado”. – Padre Fábio de Melo

“Eu gosto de ler, eu gosto de me inteirar aos assuntos”. – Padre Fábio de Melo

“Nem tudo o que eu penso é para o outro, nem tudo o que eu sinto é para o outro”. – Padre Fábio de Melo

“Quando nós estamos imbuídos com o senso de realidade, por mais pura que seja essa realidade, nós ficamos mais inteiros naquilo que a gente oferece ao outro”. – Padre Fábio de Melo

“Escrever nos dias de hoje é um ato de resistência, porque nós não temos um contexto que favorece a intimidade”. – Padre Fábio de Melo

“Nós somos excessivamente jogados para fora, excessivamente estimulados a sermos reativos. E o tempo todo, nós precisamos estar reagindo e dar opinião sobre alguma coisa. Nós somos obrigados a saber tudo aquilo que está acontecendo”. – Padre Fábio de Melo

“Sempre aconteceu esse tanto de coisa, agora, só está tudo acessível para a gente saber que acontece”. – Padre Fábio de Melo

“Quanto mais a gente sabe, mais irritado a gente vai ficando, mais fora do eixo a gente vai funcionando”. – Padre Fábio de Melo

“Existem alguns lugares da existência em que muitos não poderão ser acompanhados”. – Padre Fábio de Melo

“Carlos Drummond de Andrade é imortal porque sua obra é assim, não é porque ele quis ser”. – Padre Fábio de Melo

“A qualquer momento que você ler a obra de Drummond, terá sentido”.

“Eu preciso da arte. A arte serve para nos despertar naquilo que é mais sagrado”. – Padre Fábio de Melo

“A gente escreve porque não sabe o que quer dizer”. – Padre Fábio de Melo

“O Sempre Um Papo é um dos raros espaços para cultura nesse país”. – Padre Fábio de Melo

(*) – Estagiária sob supervisão de Jozane Faleiro

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