O desamparo do fim do amor

Por Marina Vidal (*)

O Sempre Um Papo segue com a programação de 2021, ano que comemora 35 anos de realização ininterrupta, realizando uma série de encontros com respeitados autores da atualidade. No dia 10 de junho, a convidada foi a juíza Andréa Pachá que falou com sobre o livro “A Vida Não É Justa” (Intrínseca). A conversa foi mediada por Afonso Borges e contou com intérprete de Libras, sendo transmitido pelo Youtube, Facebook e Instagram do Sempre Um Papo. Esta foi mais uma edição do projeto que está acontecendo de forma virtual, devido à pandemia do Covid-19.

“A Vida Não É Justa” é o primeiro livro da série que conta, basicamente, histórias do desamparo do fim do amor, sendo sucedido por “Segredo De Justiça” e “Velhos São Os Outros”. A primeira obra tem o prefácio escrito por Alcione Araújo, dramaturgo e escritor brasileiro. “O último texto do Alcione foi exatamente o prefácio de ‘A Vida Não É Justa’ que eu tinha lançado na véspera da morte dele”, lembra Andréa.

A magistratura de Andréa Pachá foi na vara de família e, por isso, a juíza teve contato com vários casos e, como trabalhou com roteiro de teatro, enxergava histórias que precisavam ser contadas. “Nas audiências, os conflitos eram muito intensos e as contradições muito grandes. As histórias tinham um padrão de repetição, embora únicas, eram muito ricas e não consigo imaginar que material para a ficção é mais potente senão o amor e a morte”.

Pachá já realizou mais de 20 mil audiências e começou a escrever sobre essas histórias na terceira pessoa por acreditar que o importante era a história. “Quando cheguei ao final, o Alcione falou que estava muito ruim porque o que interessa ao leitor e a quem chega nessas histórias é saber o que pensa quem vai decidir sobre aquelas pessoas em um momento de conflito e de ruptura. E eu reescrevi todas essas histórias em primeira pessoa”.

Embora, muitas situações sejam comuns aos casais nas varas de família, a juíza relatou que cada pessoa experimenta a dor de uma maneira. “Eu quis individualizar essas histórias e contar algumas delas. Me impressionava muito saber como aquele casal que se amou profundamente, que projetou a vida juntos, que escolheu ter filhos para a vida toda, chegou em um momento que um não conseguia olhar para o olho do outro. E que justiça era aquela que eles esperavam: que eu reestabelecesse o amor que acabou ou que eu condenasse alguém moralmente, o que não era o meu papel, então eu escrevi sobre o fim do amor”. 

Essa histórias também falam sobre o Brasil, por meio delas é possível compreender as transformações das relações e das famílias nas últimas duas décadas e as mudanças pelas quais o país passou. “Aconteceu também de a política atravessar essas histórias porque a vida privada foi tomada por decisões políticas depois da queda do muro de Berlim. As grandes ideologias saíram da pauta da cidadania e os direitos fundamentais passaram a ser pauta política. Então, o direito também passou a ter um olhar sobre essas relações”, explicou Andréa.

Felizes Para Sempre?

Provocada por Afonso Borges, Pachá comentou sobre o esgotamento do amor. “Trabalho com o amor que chega ao fim. Não sei se o amor acaba, mas o amor romântico como culturalmente idealizado e vendido como um projeto definitivo e eterno, esse acaba ou pode acabar”. Ela acredita que a Indústria Cultural divulga, principalmente por meio dos filmes, um modelo único de amor perfeito e eterno, o famoso “Felizes Para Sempre”, que pressiona as pessoas e aprisiona a capacidade de enxergar o outro e se colocar no lugar do outro. “As pessoas se sentem muito frustradas quando se veem diante do fim do amor e se sentem culpadas que aquela relação não deu certo, que não chegou à eternidade. Não tem nada pior que um modelo de perfeição para você se confrontar no cotidiano”.

No livro, a juíza tenta entender porque, mesmo nas separações consensuais, aquelas que não tem conflito, o amor acaba. “O amor não acaba ao mesmo tempo para os dois, então tem um período de prorrogação que quem ainda ama acredita que pode dar conta da relação”. A juíza fala que a possibilidade da separação, de enfrentar o fim do amor é um avanço e um direito fundamental porque no passado as pessoas eram obrigadas a viverem infelizes até que a morte os separasse. “Acho o máximo a gente saber que o amor pode acabar e ainda assim se permitir viver uma paixão, se jogar em uma relação, escolher um companheiro ou uma companheira para atravessar a vida. É isso que as pessoas fazem quando se apaixonam”.

Acompanhe o encontro na íntegra pelas redes sociais do projeto, no Instagram e Facebook e no canal do Sempre um Papo no Youtube, com acesso pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=1wEfnDOzMpA

FRASES:

“A gente vive em um país muito cruel para quem trabalha com cultura, para quem trabalha com arte, especialmente para quem trabalha com teatro. O artista de teatro é um herói neste país”. – Andréa Pachá

“Todo o material que a gente trabalha vem da nossa finitude, da nossa complexidade e das nossas paixões”. – Andréa Pachá

“Eu quis contar as histórias sobre a minha experiência profissional porque são histórias riquíssimas”. – Andréa Pachá

“A vara de família é um ambiente muito democrático”. – Andréa Pachá

“Hoje, tento trabalhar um romance que é um projeto muito mais complicado e desafiador”. – Andréa Pachá

“Eu acho que para a gente escrever ficção, temos que ter uma boa história para contar”. – Andréa Pachá

“Para mim, escrever não funciona se não pensar no leitor, não pensar que outros olhares vão chegar nessas histórias”. – Andréa Pachá

“É muito legal quando as histórias que a gente escreve chegam a tantos olhares e são ressignificadas”. – Andréa Pachá

“É importante pensar na ética da responsabilidade porque isso não diz respeito só a um relacionamento amoroso, a uma fantasia adolescente, a um projeto de vida que pode acabar e cada um seguir seu rumo”. – Andréa Pachá


(*) – Estagiária sob supervisão de Jozane Faleiro