22 de junho de 2021
Por Marina Vidal (*)
O Sempre Um Papo segue com a programação de 2021, ano que comemora 35 anos de realização ininterrupta, realizando uma série de encontros com respeitados autores da atualidade. No dia 16 de junho, a convidada foi a jornalista Flávia Oliveira que falou sobre o racismo, a representatividade negra e o tema “No luto há luta”. A conversa foi mediada por Afonso Borges e contou com intérprete de Libras, sendo transmitida pelo Youtube, Facebook e Instagram do Sempre Um Papo. Esta foi mais uma edição do projeto que está acontecendo de forma virtual, devido à pandemia do Covid-19.
Flávia Oliveira, jornalista e comentarista socioeconômica na Globo News, acompanha com muita atenção a crise de segurança pública brasileira, principalmente no Rio de Janeiro, e propõe várias pautas sobre a questão. “Acho que esse deveria ser um dever de todo carioca porque nenhum lugar a crise é mais dramática, sob todas as dimensões, do que é no Rio de Janeiro, ainda que tenho muita compreensão dos fatores macro, dos indicadores”.
A temática “No luto há luta” é inspirada no texto de mesmo nome escrito pela jornalista para sua coluna no jornal O Globo, do dia 11 de junho, onde Flávia aborda sobre o assassinato de Kathlen Romeu, uma jovem negra que estava grávida e outras sete negras grávidas que foram abatidas a tiros no Rio de Janeiro em cinco anos. “O caso da Kathlen foi particularmente violento e doloroso por envolver uma jovem grávida do seu primeiro filho, do primeiro neto e do primeiro bisneto daquela família e eu acabei de me tornar avó de um menino negro, com a minha filha exatamente da mesma idade, nascida no mesmo ano que Kathlen”.
Além disso, Kathlen era filha única de Jaqueline Oliveira, que inclusive tem o mesmo sobrenome que Flávia, por todas essas coincidências a jornalista se identificou com o caso. “Foi muito violento ouvir aquela avó falando da perda da neta e do bisneto. Eu vim do subúrbio também, como elas. Eu cresci no conjunto habitacional, uma comunidade popular, filha única de uma mãe negra. As nossas histórias se misturaram no momento que eu tive que falar sobre mais essa tragédia no Rio de Janeiro. É algo que, objetivamente, poderia ter acontecido comigo, com minha filha e com meu neto”.
Segundo Flávia, a sociedade brasileira naturalizou o ambiente de violência racial. “Às vezes é uma questão do ônibus que você entrou ou que você perdeu, a escola para a qual você passou, o homem por quem você se apaixonou vai fazer diferença no final dessa trajetória. E toda essa tragédia faz parte de um modelo muito errado de gestão pública. Acho impressionante como a gente sente essa dor e se acomoda nela em alguma medida”.
Para ela, casos de violência de pessoas negras brasileiras não tem o mesmo eco de indignação como ocorreu nos Estados Unidos pelo assassinato George Floyd, que em larga medida comoveu o Brasil. “A gente acostumou muito a banalizar a violência urbana, seja dos grupos civis armados, seja da polícia em relação a nossa população. É isso que dói, revolta e obriga gente, como eu, a escrever incessantemente. Isso também é muito duro, toda semana preciso fazer referência ao genocídio da população negra, a mais um crime, a mais uma violação”, constatou.
Outra coluna de Oliveira se refere a imunização brasileira contra Covid-19. Ao acompanhar as imagens da vacinação de idosos, a jornalista percebeu a grande quantidade de pessoas, principalmente mulheres, brancas nas filas para receber as doses. “O professor Paulo Adolfo afirmou que a vacinação privilegiou mulheres brancas idosas. Como especialista, observei as primeiras filas em janeiro e fevereiro quando começou a vacinação de idosos. Refletindo sobre essa realidade, me ocorreu que os negros não envelhecem”.
A expectativa de vida de pessoa negras no Brasil é muito menor que de pessoas brancas. Estatisticamente, em primeiro lugar tem as mulheres brancas, seguido pelos homens brancos, depois mulheres negras e por último os homens negros. “Justamente devido ao homicídio, a morte por causas externas mutila um pedaço de uma geração de jovens e adultos negros. Fazer 24 anos para um jovem negro é uma imensa vitória. E depois cruzar dos 29 para os 30 anos, outra vitória. Quem mais pensa sobre isso? Que você vai ter um filho e que se ele completar 24 anos, depois 30 será um milagre porque é um grupo étnico e etário absolutamente sujeito ao risco de morte, três vezes maior que um jovem autodeclarado branco da mesma faixa etária”, informou Flávia Oliveira.
Acompanhe o encontro na íntegra pelas redes sociais do projeto, no Instagram e Facebook e no canal do Sempre um Papo no Youtube, com acesso pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=D90fWyJH0YQ
FRASES:
“O movimento negro ou o ativismo negro ou a luta negra por direitos é muito antiga. Ela existe desde que existe Brasil”. – Flávia Oliveira.
“O protagonismo negro sempre existiu, mas ele não era visibilizado por quem detinha os meios de divulgação, de tornar público ou de construir uma história, uma narrativa mais ampla e mais democrática”. – Flávia Oliveira.
“O movimento negro, assim como a gente chama hoje, ganhou muita força no século XX”. – Flávia Oliveira.
“O Brasil é um país que sempre manteve os negros apartados dos espaços de poder”. – Flávia Oliveira.
“O século XXI nos permitiu uma visibilidade em uma escala maior que eu atribuo, de um lado a inserção mais numerosa de jovens negros nas universidades a partir de políticas de cota, e do outro lado a tecnologia, a possibilidade de atuação em rede a partir da internet”. – Flávia Oliveira.
“A imprensa saiu de um papel de intermediários únicos da informação primária até a sociedade, para disputar esse espaço de intermediação da informação, de curadoria, de análise com o mundo”. – Flávia Oliveira.
“Há uma visibilidade que apareceu nos últimos tempos e uma cobrança por representatividade que a resposta a essa demanda tem muito a ver com o mercado consumidor”. – Flávia Oliveira.
“A gente naturalizou o ambiente de violência racial”. – Flávia Oliveira.
“Tenho muita esperança na sociedade brasileira, nesse país, na nossa brasilidade, na nossa vocação para a alegria que anda escondida, para o afeto e para a convivência”. – Flávia Oliveira.
“Ajustes estruturais precisam ser feitos para que esse país seja verdadeiramente inclusivo para todos”. – Flávia Oliveira.
“Pela nossa subrepresentação nos espaços de poder político, econômico, jurídico essa tragédia fica quase invisível”. – Flávia Oliveira.
(*) – Estagiária sob supervisão de Jozane Faleiro