Aprisionados no presente

Por Marina Vidal (*)

O Sempre Um Papo segue com a programação de 2021, ano que comemora 35 anos de realização ininterrupta, realizando uma série de encontros com respeitados autores da atualidade. No dia 22 de junho, o convidado foi o escritor Joca Terron que falou sobre o livro “O Riso Dos Ratos” (Todavia). A conversa foi mediada por Afonso Borges e contou com intérprete de Libras, sendo transmitida pelo Youtube, Facebook e Instagram do Sempre Um Papo. Esta foi mais uma edição do projeto que está acontecendo de forma virtual, devido à pandemia do Covid-19.

“O Riso Dos Ratos” é narrado na terceira pessoa, sendo esta muito próxima do protagonista que é um pai que deseja vingar a filha de uma violência sofrida por ela, atendendo, conforme Joca, a códigos de honra masculinos os quais ele não acredita piamente. “Ele suspeita desses códigos de honra, mas essa violência o atingiu de maneira tal que ele não vê outra alternativa a não ser levar adiante a vingança e assassinar o sujeito em questão que cometeu a violência”.

O autor utilizou como estratégia no livro não nomear nenhum personagem. “Não falo qual violência é e não nomeio o agressor. Isso tem a ver com o mundo desse pai. É um mundo no qual as palavras deixam de fazer sentido, por isso a filha não é nomeada, o pai não tem nome, a cidade e até o país não tem nome. O único nome próprio que tem no livro é o do Futurama, que é um supermercado arruinado”. 

Ao escrever, Terron tem grande preocupação com a narrativa temporal. “Não me preocupo muito com a história que é contada no livro porque o que me desafia a escrever tem a ver com a percepção do tempo, como se dá na narrativa que eu estou escrevendo”. O tempo é muito importante em “O Riso Dos Ratos”. “A história é como se fosse um avançar para trás. Essa ideia norteou bastante a escrita do livro”, informou o autor.

O livro tem uma visão meio selvagem da sociedade brasileira, talvez ele tenha o anseio de alguma forma de refletir a selvageria que são as ações sociais nesse país e como nós estamos escravizados por elementos ou forças que fogem completamente a nossa percepção. É como se fossemos levados por uma enxurrada que é propriamente a fragilidade da estrutura social que esse país tem”.

A narrativa da obra foi escrita da maneira como é apresentada em razão do tempo. “O livro parte de uma ideia que o tempo não é único, ele é múltiplo. E decididamente, o tempo que um rico tem, não é o mesmo tempo que um pobre tem. São tempos distintos. Esse tempo que digo está relacionado ao tempo em que a pessoa tem para se dedicar aos seus próprios desejos e a sua própria vida”, constatou Joca.

O personagem principal do “Riso Dos Ratos” está preso ao momento atual. “O presente do personagem está mergulhado na brutalidade, essa o subjuga. Esse sujeito está aprisionado pelo presente, da mesma forma que nós estamos”. Com a pandemia, o futuro para nós passou a ser um escape, mas como estamos lidando constantemente com a morte, a ideia de futuro deixa de estar presente nas nossas vidas. “Uma discussão essencial que precisa ser feita hoje é a partir das possibilidades de futuro que precisam ser reinventadas para que a gente possa ter alguma esperança”, contemplou Terron.

Por outro lado, o personagem de Joca não pode ir mais para o futuro, então ele só pode ir para o passado. “A única possibilidade de mantê-lo vivo eram as lembranças. Essas dão substância a esse personagem, ele é feito desse passado que faz com que enfrente o dia-a-dia”. O livro é marcado pelos tempos presente e passado e a subjetividade do personagem. “Esse personagem, homem e pai, está nas últimas horas, nesse mundo que também está nas últimas, lembrando-se quando a filha estava presente. Porque a filha neste livro é uma personagem que é anunciada o tempo todo e nunca aparece. Então existe sempre essa eminência dela surgir. É até um recurso teatral acredito”, disse.

Para Joca o personagem vê a filha em todas as mulheres que encontra por causa da impossibilidade de vê-la concretamente. “As lembranças, o passado são os dividendos. É o único lucro que esse personagem tem, o único lucro possível. O juros é o grilhão que o aprisiona. Ele é aprisionado, é escravizado. Os juros são esses grilhões que nos prendem e evitam que a gente viva plenamente”.

Acompanhe o encontro na íntegra pelas redes sociais do projeto, no Instagram e Facebook e no canal do Sempre um Papo no Youtube, com acesso pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=J2dO6XEJzL4

FRASES:

“O desejo de comunicar algo através da escrita parte de como a nossa comunicação é tão falha e como a nossa vida é tão incompleta nesse sentido”. – Joca Terron

“A maior parte de nós vive imersa na impossibilidade de dizer aquilo que gostaríamos de dizer”. – Joca Terron

“A gente não tem tempo de dizer aquilo que gostaria de dizer porque somos escravizados pelo cotidiano”. – Joca Terron

“Escrever é mergulhar no universo das percepções, dos sentidos”. – Joca Terron

“Escrever é doloroso como qualquer processo de aprendizagem. E também é doloroso no sentido da incompletude porque a gente não atinge facilmente a comunicação”. – Joca Terron

“Grande parte da literatura é esse processo doloroso, temperado evidentemente com um desejo de vingança com o mundo”. – Joca Terron

“Para moldar as minhas histórias eu preciso de tempo. E não é necessariamente o tempo da escrita, é o tempo da vivência da história”. – Joca Terron

“Escrever livros para adormecer alguém não faz parte dos meus planos”. – Joca Terron

“Se há algo de despótico no livro é a distopia dos miseráveis ou a distopia miserável propriamente dita”. – Joca Terron

“Um aspecto presente em todos os meus livros é uma discussão acerca do tempo”. – Joca Terron

“Por mais difíceis que os temas sejam, eu só me sinto escritor quando eu estou escrevendo”. – Joca Terron

“A humanidade toda precisa se dedicar a pensar nas possibilidades do futuro”. – Joca Terron

“Eu tenho uma curiosidade para saber do que as pessoas vivem. Do que que a gente vive? E do que a gente viveria ou como a gente viveria se nós tivéssemos mais tempo?”. – Joca Terron

“Em algum momento eu devo escrever algo mais esperançoso, mas acho que não vai ser agora”. – Joca Terron

“Luto é o que eu sinto toda vez que publico um livro. É uma espécie de luto porque eu nunca mais vou poder me dedicar a ele”.  – Joca Terron

“A gente cria um vínculo com os livros. Os livros começam a ser gestados muito antes de o autor sentar e começar a escrever propriamente”. – Joca Terron

“É muito bom poder escrever, é uma dádiva que a gente não sabe se vai se repetir. O escritor sempre tem essa dúvida”. 

(*) – Estagiária sob supervisão de Jozane Faleiro