4 de agosto de 2021
Por Laura Rossetti (*)
O jornalista e professor Eugênio Bucci foi o convidado do #SempreUmPapoEmCasa de terça-feira, 3 de agosto de 2021, às 19h. A conversa foi realizada em vista do lançamento de seu último livro “A Superindústria do Imaginário”, publicado em junho de 2021 pela Autêntica. A transmissão do bate-papo com o jornalista Afonso Borges aconteceu ao vivo através das redes sociais do Sempre Um Papo.
Bucci conta que o livro “A Superindústria do Imaginário” é resultado de mais de duas décadas de estudo sobre as transformações que o sistema capitalista sofreu a partir da segunda metade do século XX até os dias de hoje. “A mutação do capitalismo tirou de cena a mercadoria como coisa corpórea e introduziu a imagem da mercadoria”, explica. Tal mudança, segundo ele, substituiu o valor de uso pelo valor de gozo. “A Superindústria do Imaginário é um capitalismo que interpela o sujeito pelo desejo; não mais pela necessidade”, conceitua.
O autor, que tem o histórico de abordar em seus estudos a ética nas relações sociais – a exemplo de seu livro “Sobre Ética e Imprensa”, publicado em 2000 -, afirma que a humanidade sofre, hoje, uma exploração sem precedentes. Isso é uma consequência do uso das redes sociais, já que, segundo Bucci, quando as pessoas estão publicando fotografias, vídeos ou reproduzindo uma notícia em seus perfis, elas estão trabalhando de graça para a plataforma em questão. Ele compara essa dinâmica ao que ocorre com jogadores de um cassino, que “movem a linha de montagem do cassino enquanto pensam que estão se divertindo e jogando. Eles estão movendo uma fábrica de dinheiro”.
Bucci reforça a violação de princípios éticos por parte de plataformas como o Instagram e Twitter apontando para o fato de que elas detêm o controle de inúmeros dados de seus usuários. O autor ressalta que não se refere somente aos dados pessoais como o CPF, telefone ou data de nascimento, mas a dados através dos quais “os algoritmos conseguem depreender dali circuitos internos, circuitos secretos do desejo pessoal – um desejo inconsciente -, a ponto de as máquinas conhecerem e se anteciparem aos desejos de consumo das pessoas”.
Por outro lado, a compensação que os usuários destas plataformas recebem pelo fornecimento de dados e pela autoexposição é o contentamento que isso gera a nível psíquico. “Já há, inclusive, estudos mostrando que os mecanismos adotados por grandes conglomerados monopolistas globais – como o Google, Amazon e Facebook – empregam ferramentas que são viciantes”, informa o autor. Aliás, Bucci problematiza o emprego da palavra “’usuário” para se referir ao consumidor/trabalhador das plataformas. “Veja que a gente usa a palavra ‘usuário’ para se referir aos dependentes químicos, que usam determinas substâncias (…) É incrível como os mecanismos (das plataformas) são libidinais e emocionais”, aponta.
Por exemplo, a disseminação de fake news dentro das plataformas é uma consequência do uso irracional delas, já que, segundo o autor, as pessoas sentem-se satisfeitas compartilhando informações nas quais elas querem acreditar – mesmo que estas sejam falsas. Nesse sentido, Bucci ressalta a importância do livre-arbítrio, ou seja, da escolha que cada indivíduo possui de utilizar ou não as redes sociais, bem como de que forma utilizá-las. “O sujeito ético é aquele que escolhe dentro de uma gama de possibilidades que têm a ver com a cultura, hábitos, costumes e tradições. (…) A ética tem um sentido coletivo e um sentido individual, inclusive etimologicamente, porque a ética quer dizer caráter, temperamento, natureza pessoal”, afirma.
Durante a live, foi falado ainda sobre a sociedade do espetáculo, conceito criado pelo escritor francês Guy Debord, na década de 60, para definir uma sociedade cujas relações sociais são mediadas pelas imagens. De acordo com Bucci, a pandemia do coronavírus mostrou que a presença física não é tão essencial quanto se imaginava para o funcionamento de diversas atividades sociais como, por exemplo, reuniões de trabalho. As imagens é que ganharam um papel de destaque nesse cenário. “Nós, com a pandemia, experimentamos a experiência da interdição do corpo. O corpo não pode se deslocar, mas a gente se desloca virtualmente (…) O que ficou circulando foi a nossa imagem”, afirma o autor.
Acesse a gravação da conversa, que contou com tradução simultânea em Libras, no YouTube e Facebook do Sempre Um Papo, projeto que, em 2021, comemora 35 anos de realização.
*Estagiária sob a supervisão da jornalista Jozane Faleiro
Frases
“É necessário ter um outro equilíbrio entre democracia e essa tecnologia de propriedade fechada do capital”. – Eugênio Bucci
“Isso é algo que a pandemia deixou escancarado: nossos corpos são dispensáveis ou, pelo menos, nossos corpos não são tão essenciais assim para que as coisas funcionem como nós imaginávamos que fosse”. – Eugênio Bucci
“Um livro é alguém levantando a mão e falando “Deixa eu dar um pitaco aí”. O livro nunca pretende ser a palavra final”. – Eugênio Bucci
“Talvez a cultura tenha flancos que possam ficar fora da superindústria”. – Eugênio Bucci
“A democracia precisa regular a superindústria ou a superindústria vai apequenar e domesticar a democracia”. – Eugênio Bucci