fbpx

“A coragem vem da felicidade pessoal”

24 de maio de 2021

Por Marina Vidal (*)

O Sempre Um Papo segue com a programação de 2021, ano que comemora 35 anos de realização ininterrupta, realizando uma série de encontros com respeitados autores da atualidade. No dia 20 de maio, o convidado foi o escritor Fabrício Carpinejar que falou sobre o livro “Coragem de Viver” (Planeta). A conversa foi mediada por Afonso Borges e contou com intérprete de Libras, sendo transmitido pelo Youtube, Facebook e Instagram do Sempre Um Papo. Esta foi mais uma edição do projeto que está acontecendo de forma virtual, devido à pandemia do Covid-19.

Carpinejar contou que “Coragem de Viver” é, ao mesmo tempo uma biografia da sua mãe e um livro de memórias que oscila entre a prática epistolar, versos, parábolas e histórias que nos tocam ao trazerem a realidade. “Não é a biografia da Maria Carpinejar, é a biografia do meu amor por ela, do amor de um filho. E eu quis deixar um testamento para a minha mãe”.

Trata-se de uma homenagem aos 30 anos de poesia de Maria Carpinejar, mãe do autor. “Devo tudo para a minha mãe porque sou duplamente filho dela. Sou filho do seu ventre, da sua carne, do seu sangue e filho também dos seus poemas. E estamos vivendo um tempo de deslugar, todo mundo está orbitando em torno da ausência, da saudade, da lacuna”.

O autor decidiu fazer o livro como uma surpresa para a mãe. Ele combinou com ela que iriam fazer um livro juntos, para que Maria não percebesse. “Eu fingi para a mãe que a gente faria um livro juntos, enquanto eu fazia esse livro. E ela ficava toda semana me atazanando sobre o cumprimento do contrato”. A intenção de Fabrício era fazer um álbum de fábulas, parábolas, cenas marcantes da vivência e experiências de sua mãe, que também é poeta, mas somente publicou o seu primeiro livro aos 50 anos. “Eu estimulava que ela contasse umas histórias que eu não me lembrava bem. Quis trazer um livro leve, solar, que encantasse”.

Os dois são muito ligados, pois Fabrício teve uma infância difícil, tinha o diagnóstico de retardo mental e foi alvo de muito bullying, e a mãe sempre o apoiou. “Por fábulas, exemplos, histórias pessoais ela foi desenhando a minha dor. Minha mãe não me deixou sofrer sozinho. Ela mostrou que também sofria e o quanto tinha sido excluída. Ela me criou e conseguiu me melhorar a partir da confissão de seus erros. E qualquer ato do lado dela era filosofia, era pensamento. Antes de escrever, eu tenho certeza que eu escrevi muito no avental dela, nos olhos dela”, disse o autor.

Carpinejar lembra que a mãe foi muito paciente e persistente com ele, não deixando esse diagnóstico transparecer e confiando em seu filho ao assumir o compromisso de ensiná-lo a ler e a escrever. “Minha mãe me alfabetizou com poesia. Ela esperou o meu tempo, respeitou o meu ritmo. A escola não acreditava que eu pudesse ler e escrever. Não estaria aqui se não fosse a insistência da minha mãe, se não tivesse tirado tempo para me fortalecer e mostrar um jeito mais lúdico de entender a linguagem”.

Fabrício era uma criança quieta porque era um sonhador e precisava do silêncio para decifrar os acontecimentos a sua volta. “O quanto que os sonhadores são taxados de déficit de atenção, só que eles estão procurando ferramentas no outro lado, na fantasia, eles estão procurando a fantasia para aperfeiçoar a realidade. E a minha mãe captou isso muito bem, me deixando sonhar”.

O livro não segue o tempo cronológico, mas emocional. “Eu queria que fosse um tempo da formação desse espírito, da sagacidade, dessa coragem da mãe de viver. Queria mostrar os momentos emblemáticos da coragem dela, o quando que ela inspirava resilientes e o tanto que ela também atravessou momentos resilientes. E sua paixão é pelo presente e ler as pessoas. A mãe ajudou muita gente na defensoria pública. Ela acredita que é mãe de toda adoção que mediou”.

O autor realizou um hibridismo em “Coragem de Viver” entre várias obras suas como “Cuide dos Pais Antes que seja Tarde”, “Família é Tudo”, do “Minha Esposa Tem a Senha do Meu Celular”. E lembra: “Esse livro não é uma memória, não é ficção, não é crônica, é um deslugar. A coragem só vai surgir na sua vida quando você for capaz de se fazer feliz. Não depende de mais ninguém para isso. A coragem vem da felicidade pessoal. É ser feliz com pouco e precisar de muito para ser triste. É não transformar nenhum aborrecimento em tragédia. É saber que mesmo no nosso pior dia temos direito a minutos de felicidade”.

Acompanhe o encontro na íntegra pelas redes sociais do projeto, no Instagram e Facebook e no canal do Sempre um Papo no Youtube, com acesso pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=vFus–1bvf4

FRASES:

“O Sempre Um Papo é um túnel no tempo. Eu posso encontrar todas as minhas versões na cinemateca do Sempre Um Papo”. – Fabrício Carpinejar

“A alfabetização é um estalo”. – Fabrício Carpinejar

“Eu trato tudo o que eu vivi com um distanciamento. Por isso, eu comecei a escrever, para me tornar personagem. Para não sofrer como autor, repartirmos a dor com o personagem. Personagem é um amigo imaginário que te salva da própria memória”. – Fabrício Carpinejar

“O papel dos pais não é tanto dar a informação, mas fazer com que a insistência seja afetuosa, despertar a curiosidade”. – Fabrício Carpinejar

“Você não pode passar a informação para a criança como se ela não tivesse dentes para mastigar”. – Fabrício Carpinejar

“A gente precisa saber conviver com a dúvida dos filhos. Não é para responder as dúvidas. É para criar mais dúvidas”. – Fabrício Carpinejar

“Minha mãe sempre me fez me sentir filho único”. – Fabrício Carpinejar

“A gente precisa da alegria no momento da tristeza, para atrair a alegria”. – Fabrício Carpinejar

“O humor é importante até para a harmonia do mutirão”. – Fabrício Carpinejar

“O humor é deixar o outro à vontade a partir do riso”. – Fabrício Carpinejar

“O riso é para acrescentar”. – Fabrício Carpinejar

“A minha mãe é mais inédita do que publicada. Ela tem 18 livros publicados e 23 inéditos”. – Fabrício Carpinejar

“Quanto maior o silêncio, maior a emoção de um poema”. – Fabrício Carpinejar

“Escrever salva, escrever cura, escrever organiza”. – Fabrício Carpinejar

“Se você coloca no papel aquilo que está te trazendo angústia, você acaba entendendo que não é tão grave, que outras pessoas passam pela mesma situação”. – Fabrício Carpinejar

“O grande problema da dor é quando nós acreditamos que ninguém nunca sofreu daquele jeito”. – Fabrício Carpinejar

“Saímos da dor a partir da dor do outro”. – Fabrício Carpinejar

“Duas dores juntas formam um abraço”. – Fabrício Carpinejar

“Não existe escolha sem renúncia”. – Fabrício Carpinejar

“A mentira destrói a memória”. – Fabrício Carpinejar

“Eu gosto de cortar, deixar textos de fora, porque isso valoriza o que ficou. O que fica no livro e talvez os leitores não tenham essa noção, é apenas aquilo que sobreviveu, é uma delicadeza sobrevivente, é uma sutileza sobrevivente, é alicerce. Eu gosto de escrever cada vez mais conciso, porque no começo da minha trajetória eu queria ser folhagem, hoje eu quero ser semente”. – Fabrício Carpinejar

(*) – Estagiária sob supervisão de Jozane Faleiro

[fbcomments]