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Elegia, Pericles e Augusto de Campos

3 de abril de 2009

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Uma noite destas, acordei as três horas da manhã, com uma música na cabeça. Saí pé ante pé e ouvi, umas 350 vezes, a música “ELEGIA”, cantada por Caetano Veloso. A letra é alguma coisa perto da perfeição. Aí eu descobri que a música não é do Caetano. A música é do Péricles Cavalcanti e a letra, uma tradução do Augusto de Campos, de um poema do pensador inglês, do século dezesseis, John Donne. Vou repetir: John Donne.

Aí o encantamento redobrou. Pesquisei e descobri que o poema se chama Elegia: indo para o leito e o Péricles adaptou e colocou música, na voz do Caetano. Pois é de enlouquecer que um sujeito, na Inglaterra do século dezesseis, ele nasceu em 1520, tenha escrito algo parecido com esta letra. Isso, porque o mérito também é do Augusto de Campos que dizia sempre que não fazia tradução. Fazia transcriação. Por favor, ouçam, palavra a palavra, o poema Elegia. E aproveitem para descobrir – ou redescobrir – a obra genial deste Péricles Cavalcanti. Ah, eu coloquei no meu site o texto inteiro do poema. Vejam lá no mondolivro.com.br. Agora ouçam, com muita calma, Elegia.

Aqui, o poema inteiro, traduzido por Augusto de Campos:
Elegia: indo para o leito

Vem, Dama, vem que eu desafio a paz;
Até que eu lute, em luta o corpo jaz.
Como o inimigo diante do inimigo,
Canso-me de esperar se nunca brigo.
Solta esse cinto sideral que vela,
Céu cintilante, uma área ainda mais bela.
Desata esse corpete constelado,
Feito para deter o olhar ousado.
Entrega-te ao torpor que se derrama
De ti a mim, dizendo: hora da cama.
Tira o espartilho, quero descoberto
O que ele guarda quieto, tão de perto.
O corpo que de tuas saias sai
É um campo em flor quando a sombra se esvai.
Arranca essa grinalda armada e deixa
Que cresça o diadema da madeixa.
Tira os sapatos e entra sem receio
Nesse templo de amor que é o nosso leito.
Os anjos mostram-se num branco véu
Aos homens. Tu, meu anjo, és como o Céu
De Maomé. E se no branco têm contigo
Semelhança os espíritos, distingo:
O que o meu Anjo branco põe não é
O cabelo mas sim a carne em pé.
Deixa que minha mão errante adentre.
Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.
Minha América! Minha terra a vista,
Reino de paz, se um homem só a conquista,
Minha Mina preciosa, meu império,
Feliz de quem penetre o teu mistério!
Liberto-me ficando teu escravo;
Onde cai minha mão, meu selo gravo.
Nudez total! Todo o prazer provém
De um corpo (como a alma sem corpo) sem
Vestes. As jóias que a mulher ostenta
São como as bolas de ouro de Atalanta:
O olho do tolo que uma gema inflama
Ilude-se com ela e perde a dama.
Como encadernação vistosa, feita
Para iletrados a mulher se enfeita;
Mas ela é um livro místico e somente

A alguns (a que tal graça se consente)
É dado lê-la. Eu sou um que sabe;
Como se diante da parteira, abre-
Te: atira, sim, o linho branco fora,
Nem penitência nem decência agora.
Para ensinar-te eu me desnudo antes:
A coberta de um homem te é bastante.

John Donne

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